sexta-feira, abril 22, 2005

A Revolta ( Parte II )



...Assustei-me com um choro quase infantil e deslumbrei no meu olhar um animal sangrando pedindo quase clemência como a um deus de outro mundo.
Enfim o lobo se aproximou inocentemente como alguém que tem receio de algo ou de alguém, e eu também estava inseguro e com um medo que procurava não demonstrar para fora de mim. A única vez que estive perto dum verdadeiro lobo foi quando a minha tia pegou em mim literalmente ( pesava 120 kilos) e me levou a visitar o Zoo de Lisboa.
Chegando-se perto de nós o seu olhar misterioso e cúmplice não deixava duvidas...Tínhamos entre mãos um assunto delicado.
Peguei no utensílio que tinha mais a mão e tentei resguardar-me de qualquer ataque feroz do animal visivelmente entristecido. A respiração ofegante e medrosa da pessoa que habitava na minúscula cabana podia-se ouvir a quilómetros de distancia. Estávamos perante um ambiente pesado. Ao ver-me com um olhar receoso, o lobo sorriu como quem quer-nos pregar uma partida inesperada.
Afirmou que a única lembrança ou sentimento que efectivamente queria de volta era a sua dignidade quer como animal, quer como ser vivo.
Pediu a minha mão como uma criança pede um rebuçado e apontou para detrás da porta de madeira.
Debrucei-me sobre ela e reparei que algum sangue ainda fresco manchava aquele mísero chão feito de canas de açúcar. Depois de muito vasculhar entre as canas com um cheiro moribundo encontrei finalmente o que causava o desespero daquele animal...Uma pequena fêmea ainda respirava milagrosamente.
Tantas eram as suas feridas que mal se viam os olhos de desespero do doce animal
Não foi necessário pensar muito para encontrar o responsável pela aquela atrocidade...
Deixei o lobo enraivecido pela tristeza duma cria perdida tratar da situação duma forma muito pouco pacifica. Fiz-me de indiferente face aos gritos de desespero que vinham da cabana depois de eu a abandonar..
E se existe alguém que eu possa condenar não é o concerteza o velho lobo...

terça-feira, abril 19, 2005

A Revolta (Parte I)



Fico a espera dum salvamento que possivelmente nunca ira acontecer, mas que ilhéu mais estranho este a que vim parar... Tem um lado mais obscuro e denso onde uma neblina teima em não desaparecer de vez e um lado onde o azul sorridente do mar entra pela terra adentro enchendo de beleza aquele lugar especial. Resignado a este local jamais deixarei de acreditar que tudo continua igual no outro lado do planeta para o bem ou para o mal.
Por isso pressinto algo de familiar nesta ilha, talvez aqueles sons que me entram no ouvido e que não me deixam adormecer, tragam-me uma pequena esperança de sobrevivência. Já não sonho com a sociedade em que vivia, onde o “stress” me levava calmamente para uma morte com meu próprio consentimento. Do acidente só guardo uma folha de papel e uma caneta oferecida pelo meu enfadonho patrão quando me fez subir de escalão.
Certo dia tomei-me responsável de mim próprio e resolvi invadir aquelas robustas palmeiras para procurar algo para comer sem ser fruta ou o fresco peixe do mar.
Caminhei pouco tempo até ficar realmente surpreso com aquilo que os meus olhos deslumbravam no horizonte próximo, Uma cabana feita de cascos de palmeira e da borracha preta duma roda de avião. Afinal mais alguém tinha sobrevivido aquele terrível acidente...Tinha agora uma sensação de alegria acompanhada por uma recente duvida.
Quem para além da minha pessoa não se atrevia a procurar ajuda?
Quem procuraria logo um refugio quando nesta ilha só existia um puro Sol?
Fiquei abismado quando aquela criatura abriu a porta de sua humilde cabana, trazia vestida uma capa negra enorme já roída por animais furiosos com algo.
Ao principio praticamente não a reconheci visto que se contava pelos dedos da mãos as revistas cor-de-rosa que desfolhei aos longo dos meu trinta anos.
Mas aquele olhar de vitima triste ferida com suas declarações anteriores jamais dava o braço a torcer por qualquer sentimento de alegria ou ternura. Me implorou que a salvasse daquela ilha para que pudesse continuar a sua saga de tortura por um precioso casaco de peles. Exclamou que tinha esse direito á vida como qualquer outro ser humano.Depois das recentes declarações desta senhora, fiquei abismado com tamanho sinal de arrogância...como devem calcular.
Subitamente fomos interrompidos...

Continua...

segunda-feira, abril 11, 2005

Para o Filho da Terra



Fico assim de braços cruzados a espera que meu orgulho desapareça e que possa pelo menos perguntar ao enrugado adepto se o posso acompanhar nesta caminhada. Tenho quase trinta anos feitos de alegria e devoção por uma terra perdida lá para o interior do nosso Pais, Fui sempre honesto comigo próprio, mas agora procurarei enfim a minha estabilidade social. O que aquela terra não compreende é que apesar das saudades que sinto por ela, a minha família esta bem acima de qualquer lagrima nostálgica. Aqueles caminhos de areia que percorri para não faltar a mais um treino de conjunto foram finalmente recompensados, e a ansiada mudança de ares pode agora surgir a qualquer momento. Continuo no entanto a possuir no lugar do Coitão a minha ilustre casinha feita de seis meses de trabalho árduo sem receios de mazelas provocadas pela inexperiência em construção.
Sou um filho duma terra sem idade, onde os putos crescem a olhos vistos ,onde a fruta ainda é apanhada directamente das arvores e onde ainda existem amola-tesouras encaixados ao volante de suas bicicletas. Infelizmente já não marcarei mais golos naquela baliza virada para o quintal da Sr.ª Aurora, o meu treinador bem me disse que enquanto aquele galo horrendo cantar jamais deixarei a aldeia...Mas para o bem ou para o mal o galo bateu asas deste mundo depois deste ultimo natal.
Apesar desta repentina mudança, fico certo que esta minha identidade aldeã nunca se perderá de todo, tal como o sotaque que guardo em meu coração. Curioso foi o acto de ternura manifestada pelos meus conterrâneos quando me ofereceram como recordação uma compota caseira com meu nome inscrito no rotulo dizendo apenas “Para o filho da terra”.
Despedidas emocionadas foram inúmeras, daquelas que vou guardar para sempre na minha memória e em meu coração. Choros quase infantis eu presenciei naquele dia em que todos os lenços foram poucos para limpar tanta lagrima.
Nesta altura quando me debruço pela janela do autocarro ainda sinto o cheiro de saudade no ar...

quarta-feira, abril 06, 2005

Aquele Abraço



Pascoal observa com encanto e atenção a sua mais doce progenitora, ele sabe o quanto foi difícil retira-la daquele pedaço de terra mal frequentado. Ter um lar era tudo o que aquela cadela precisava, O afecto de Pascoal por aquela cadela já vem de longe...Vem daquele tempo em que passava de autocarro escolar pelo bairro e reparava o quanto o animal se sentia indiferente e triste pelo mundo que lhe foi apresentado. Pegou no seu dom mais elogiado (a coragem) e dirigiu-se ao motorista do autocarro perguntando se podia parar na sua caminhada diária para articular com o antigo dono qual a melhor forma de proporcionar uma melhor vida aquele peludo animal.
O Motorista estranhou tal atitude vinda de um menino de 7 anos, Mas com aquela idade Pascoal já libertava um cheiro tremendo a adulto.
Finalmente o motorista (depois de muito reflectir) decidiu dar a oportunidade ao menino de acolher o seu maior sonho.
Dirigiu-se ao dono com um simples sorriso fazendo prever a ansiedade que aquela acção despontava em si mesmo.
Pascoal ainda tem na memória o quanto foi difícil convencer a sua mãe a aceitar mais um distribuidor de bagunça lá para casa.
Levemente a imperatriz peluda apanhou pelo focinho a tristeza lá de casa e literalmente a despejou porta fora.
Os pais do menino actualmente sem aquele bichinho de estimação não conseguem disfarçar a tristeza em suas faces.
Aqueles Abraços fraternos de alegria e soletrados por uma magia impar jamais deixaram que alguém decida futuro por eles proprios...